User Experience e a Obesidade – Uma transformação para um mundo mais saudável.
[Sofia Leal]

Obesidade, é uma condição médica onde se verifica que a acumulação de tecido adiposo começa a exercer um impacto negativo na saúde do individuo1. Estima- se que entre 10% a 13% das mortes na União Europeia sejam correlacionadas com a obesidade2, transformando a condição em um elemento de atenção – principalmente pelos Estados, devido ao seu impacto económico e na saúde publica3. Em 2002, segundo artigo publicado na Revista Portuguesa de Saúde Pública, o custo relacionado com a Obesidade em Portugal por parte do Governo, foi de 297 milhões de euros, representando 2,5% do total de despesas realizadas com saúde4, enquanto que na União Europeia, estes valores ultrapassaram os 32,8 mil milhões de euros. Para além dos impactos financeiros, a obesidade também representa uma série de condições que atrapalham o cotidiano dos obesos, como diversas comorbidades, diabetes, síndrome metabólica e até mesmo problemas psicossomáticos, como a depressão e a ansiedade5. Estima-se que nos Estados Unidos, a despesa anual com produtos dietéticos varia entre 40 e 100 mil milhões de dólares6. Entretanto, a indústria tecnológica tem buscado ajudar em diversas problemáticas da nossa atual sociedade, trazendo soluções que causam grandes impactos, devido a sua capacidade de massificar sua utilização. Por exemplo, no mundo, segundo relatório da GSMA7, empresa que representa o interesse das operadoras de telefonia, os telemóveis são utilizados por aproximadamente 5 mil milhões de pessoas. Estima-se que em 2015, aproximadamente 58 mil aplicações denominadas de Mobile Health Strategy (M-Health), tenham circulado no mercado visando trazer melhores hábitos e soluções para pessoas com os mais variados problemas de saúde. Deste número de aplicações, estima-se que aproximadamente dois terços sejam direcionados para pessoas com problemas físicos ou mentais8. A pergunta que este trabalho crítico visa esclarecer, é de que forma, de facto, o conceito de User Experience pode ser utilizado para ajudar a sanar um dos maiores problemas de saúde pública das últimas décadas, a obesidade.

Contextualização

O termo User Experience (UX), foi criado na década de 1990 por Donald Norman, apesar do seu desenvolvimento histórico desde a revolução industrial nos séculos XIX e XX. Segundo seu criador, o UX não é constituído apenas por características e funcionalidades relacionadas ao Design como a interface, a usabilidade e o software em si, mas sim também por um conjunto de aspetos afetivos e experienciais que são extremamente importantes para uma melhor qualidade na interação entre humanos e máquinas9. Entretanto, quando se trata de buscar soluções para algumas doenças, são muitos os fatores que podem decretar o sucesso ou o fracasso de uma M-health. Não basta apenas criar uma plataforma utilizável e com um bom conteúdo, muitas das dificuldades relacionadas com a obesidade, são justamente questões psicológicas que afetam o individuo e que podem prejudicar o curso de uma reeducação alimentar e física, que seria necessária para cessar a condição da obesidade10. Estratégias comportamentais baseadas em evidências para controle de peso em crianças e adolescentes com necessidades complexas de cuidados de saúde geralmente requerem aconselhamento mais intensivo com uma equipe de saúde interprofissional para ajudar indivíduos e famílias a desenvolver habilidades em torno do estabelecimento de metas, reduzindo o tempo sedentário e desenvolvendo hábitos alimentares saudáveis por meio de estímulos controle e reforços positivos. Geralmente, os fatores que foram identificados em programas de sucesso são aqueles que ocorrem ao longo de 6 a 12 meses, são centrados na família na abordagem e incluem atividades baseadas em grupo com colegas. Apesar desses avanços, a eficácia das abordagens comportamentais emergentes não é clara e as intervenções comportamentais geralmente mostram reduções modestas no índice de massa corporal (IMC) em curto prazo11. Entretanto, as tecnologias de informação e comunicação criaram oportunidades para fornecer intervenções acessíveis e econômicas para controle de peso que podem ajudar a sustentar adolescentes engajados em práticas de estilo de vida saudáveis a longo prazo. Os aplicativos móveis estão sendo cada vez mais investigados por seu potencial de apoiar a gestão da saúde a longo prazo, fornecendo maneiras mais convenientes e sustentáveis de implementar mudanças de comportamento relacionadas à saúde e acesso a cuidados de saúde. Os aplicativos móveis permitem que os usuários rastreiem e interpretem dados de saúde relevantes, possam acessar informações e recursos e se comuniquem com o suporte de pares e profissionais de saúde. Além disso, avanços rápidos nas capacidades de monitoramento remoto e análise de dados agregados apresentam novas oportunidades para desenvolver tratamentos mais personalizados, precisos e eficazes para sobrepeso e obesidade. 12

Estudos indicam que em torno de 75% das aplicações M-health para o controlo de peso, sejam estritamente baseadas no modelo de balanço energético e contam com uma base de dados de alimentos para quantificar, rastrear e controlar a ingestão calórica. Em contraste, a assistência com o planejamento das refeições não foi amplamente relatada em aplicativos desenvolvidos para controle de peso, particularmente em jovens13. Estes dados indicam uma grande lacuna e um grande oportunismo por várias empresas, que criaram aplicações com interfaces agradáveis e grande campanhas publicitárias, mas, entretanto, falharam ao conduzir um estudo de UX completo, utilizando dados científicos e investigações que façam com que de facto, seja percebida uma melhora na saúde e no sobrepeso dos utilizadores.

UX como instrumento de mudança

Conforme supracitado, o conceito de User Experience extrapola conceitos básicos de interface e softwares que pouco fazem (ou fazem apenas de maneira repetitiva). Estes, possuem uma baixa taxa de resultados reais na mudança de hábitos de seus utilizadores. Existem outros fatores que causam diferentes tipos de repercussão e que ajudam, de facto, as pessoas com sobrepeso a alcançaram melhores resultados. O UX, apesar de se tratar do meio em que se da a relação máquina-humano, deve ser pensado para que não haja uma limitação na utilização e no engajamento do usuário14. Assim como em tratamentos com nutricionistas, médicos e afins, as aplicações devem tomar em conta e explorar outros conceitos para além de cálculos de massa corporal e de ingestão de calorias. As aplicações devem combater a obesidade com ferramentas um pouco mais complexas. Um estudo realizado recentemente15, aponta que, por exemplo, as aplicações que fornecem alguma forma de interação e apoio social, tendem a conseguir manter os usuários mais motivados a perder peso. O aspeto social, interligado com as dificuldades de uma reeducação alimentar e física, ajudam como grandes fontes de motivação, confiança e aprendizagem. Os usuários, partilham experiências, receitas, métodos, anseios e conquistas com os outros da plataforma, criando-se uma comunidade que atua em prol do objetivo comum entre todos. Esta estratégia, é considerada como elemento chave em programas de controle de peso baseados em clínicas pediátricas, particularmente na fase de manutenção do tratamento16.

A “Gamificação” – ou seja, adicionar elementos de jogo dentro das aplicações, também tem excelente função na hora de motivar as pessoas a perder peso. Afinal, transformar as aplicações, para que sejam em parte também um jogo, acaba por estimular os sistemas de recompensa que os humanos conhecem muito bem. Psicólogos e Psiquiatras, evidenciaram nos últimos anos, que os sistemas de recompensa, em uma primeira instância, são essenciais para o nosso instinto de sobrevivência, que, apesar de arcaico, é sobretudo um dos fatores que fizeram nossa espécie buscar alimentos ou se reproduzir, por exemplo. Sistemas de recompensa monetária, de pontuação e de atividades multijogador, podem e devem ser explorados em aplicações para a redução de peso, pois acabam por influenciar e motivar psicologicamente os utilizadores a atingirem seus objetivos. Inclusive, os recursos devem ser integrados de forma eficaz na arquitetura do programa do aplicativo para garantir que a usabilidade seja simples, conveniente, interessante e divertida. Projetos de aplicativos em potencial podem empregar estratégias de “gamificação” e engajamento social para impulsionar a mudança de comportamento, enquanto personalizam a funcionalidade do aplicativo de acordo com os objetivos e preferências do usuário.

Considerações Finais

Apesar de existirem cada vez mais soluções interessantes que visem acompanhar, reeducar, direcionar e ajudar os usuários a conseguirem reduzir peso e se tornarem mais saudáveis, ainda existem lacunas a serem preenchidas. A importância de se ter cada vez mais estudos, pesquisas e conhecimento direcionados a este campo é imprescindível. Os desenvolvedores, se apoiam de forma firme nas evoluções tecnológicas, entretanto, ainda existe espaço para aprofundamento no que toca a parte Humana do User Experience. É necessário, antes de qualquer tecnologia, entender também da psicologia humana e de que forma o que é visto no ecrã, pode revolucionar a nossa sociedade e a saúde das pessoas. Tal exercício, pode assumir uma complexidade difícil de ser mensurada, entretanto, as ferramentas e modelos de teste têm se desenvolvido de forma a tentar cobrir todas as arestas evidenciadas neste artigo. A trajetória é longa e precisa se reinventar em alta velocidade para manter o engajamento, principalmente dentre os mais jovens e afetados pela obesidade infantil. De qualquer forma, nesta altura, a evolução é sem precedentes e deve se tornar cada vez mais eficiente com o aprofundamento do mercado e da academia sobre a questão. Juntos, todos fazem parte de um amanhã melhor e mais saudável.

1 «Obesity and overweight Fact sheet N°311». WHO. Janeiro de 2015. Consultado em 2 de fevereiro de 2016

2. OMS Europa. «Obesity». Consultado em 15 de julho de 2014

3. Loscalzo, Joseph; Fauci, Anthony S.; Braunwald, Eugene; Dennis L. Kasper; Hauser, Stephen L; Longo, Dan L. (2008). Harrison's principles of internal medicine. [S.l.]: McGraw-Hill Medical. ISBN 0-07-146633-9

4. Pereira, João; Mateus, Céu (2003). «Custos indirectos associados à obesidade em Portugal» (PDF). Revista Portuguesa de Saúde Pública (3): 65-80.

5. Haslam DW, James WP (2005). «Obesity». Lancet (Review). 366 (9492): 1197–209. PMID 16198769. doi:10.1016/S0140-6736(05)67483-1

6. Cummings, Laura (5 de fevereiro de 2003). «The diet business: Banking on failure». BBC News.

7. Relatório Economia Móvel 2019, GSMA (2019)

8. A. Skardziute, “mHealth App Developer Economics 2016,” no. October, pp. 1–30, 2016, [Online]. Available: papers3://publication/uuid/BDC0304E-D7E0-4EC1-999B-14B397967A07

9. «What is User Experience (UX) Design?». The Interaction Design Foundation

10. Reinehr T. Effectiveness of lifestyle intervention in overweight children. Proc Nutr Soc. 2011 Nov;70(4):494–505. doi: 10.1017/S0029665111000577.

11. Danielsson P, Kowalski J, Ekblom O, Marcus C. Response of severely obese children and adolescents to behavioral treatment. Arch Pediatr Adolesc Med. 2012 Dec;166(12):1103–8. doi: 10.1001/2013.jamapediatrics.319.

12. Hamine S, Gerth-Guyette E, Faulx D, Green BB, Ginsburg AS. Impact of mHealth chronic disease management on treatment adherence and patient outcomes: a systematic review. J Med Internet Res. 2015;17(2):e52. doi: 10.2196/jmir.3951. http://www.jmir.org/2015/2/e52/

13. Chen J, Cade JE, Allman-Farinelli M. The most popular smartphone apps for weight loss: a quality assessment. JMIR Mhealth Uhealth. 2015;3(4):e104. doi: 10.2196/mhealth.4334. http://mhealth.jmir.org/2015/4/e104/

14 e 15. Agusdin, Riza & Salsabila, Amira & Putri, Dyah. (2021). Designing User Experience Design of the Healthy Diet Mobile Application Using the Fives Planes Framework. Jurnal Buana Informatika. 12. 11. 10.24002/jbi.v12i1.4376.

16. Wilfley DE, Stein RI, Saelens BE, Mockus DS, Matt GE, Hayden-Wade HA, Welch RR, Schechtman KB, Thompson PA, Epstein LH. Efficacy of maintenance treatment approaches for childhood overweight: a randomized controlled trial. J Am Med Assoc. 2007 Oct 10;298(14):1661–73. doi: 10.1001/jama.298.14.1661.