Desenhar para o outro, com o outro: o utilizador como co-designer
[Ricardo Roseiro]

O trabalho desenvolvido na Unidade Curricular de User Experience Design foi-nos proposto com o objetivo de, enquanto designers, estarmos presentes em cada etapa do ciclo de desenvolvimento de uma aplicação. Por norma, os designers são chamado a intervir como meros executantes gráficos apenas na etapa final, a de User Interface Design. Somos convidados a materializar visualmente numa interface funcional e apelativa tudo o que foi pensado por outros em etapas anteriores. Contudo, esta inclusão tardia corre sérios riscos de resultar num produto que não vai ao encontro das necessidades dos seus utilizadores. Trabalhar em User Experience Design vai para além da construção de uma simples interface. É um processo extenso de criação de produtos que proporcionam experiências significativas e relevantes ao utilizador 1. Como defendido pela Interaction Design Foundation, it is a story that begins before the device is even in the user’s hands 2. Isto implica, numa primeira instância, dar ao designer a possibilidade de desempenhar um papel mais preponderante desde a génese do produto, para que possa construí-lo de uma forma global. Esta abordagem permite que todas as escolhas funcionais e, por extensão, gráficas, sejam consequentes. Mas, acima de tudo, implica que lhe seja dada a oportunidade de trabalhar para, e com, o utilizador, lado a lado. Só assim será possível chegar a um resultado que o sirva verdadeiramente. Nesta reflexão crítica irá ser discutido o papel fundamental que o contacto direto com crianças na etapa de User Research teve para a definição de uma direção conceptual e artística no nosso projeto.

Uma das principais dificuldades sentidas ao longo do projeto foi centrá-lo no utilizador. Partimos de uma visão muito clara, que considerámos a mais adequada à temática e ao público-alvo. Como consequência, o desenvolvimento da aplicação foi insistentemente conduzido para um resultado que tinha sido planeado no começo. Determinadas opções que o corroborariam eram tomadas em detrimento de outras que responderiam às necessidades do utilizador de maneira mais eficaz. Esta abordagem pouco flexível deveu-se a dois motivos: Em primeiro lugar, aos modelos mentais pré-concebidos que o grupo tinha sobre o objeto de estudo. Rikke Friis Dam e Teo Yu Siang 3 explicam que os seres humanos têm uma tendência natural para desenvolver modelos mentais estanques, com base na observação e execução de atividades repetitivas, e no conhecimento de senso-comum. Não obstante ser uma característica fulcral para a nossa sobrevivência, permitindo que ajamos de forma instintiva e consistente em situações semelhantes ou familiares, tem em simultâneo o potencial para nos impedir de desenvolver novas formas de abordar problemas e de gerar soluções criativas como resposta. O grupo acreditava saber por intuição como se comportavam as crianças da faixa-etária selecionada, quais os seus interesses, e as suas preferências alimentares. Estes preconceitos fortemente enraizados surgiram, todavia, não pelo contacto direto e regular com crianças. Foram moldados pelas nossas próprias vivências da infância, por interações superficiais e esporádicas com crianças ao longo dos anos, e por histórias contadas por outrem. Mais tarde, percebemos que havia um enorme desfasamento entre a nossa percepção e a realidade do que é ser criança hoje em dia. Encontrámos crianças bastante mais informadas do que são boas práticas de alimentação; que evitam de forma consciente comer muitos doces e alimentos processados; e que, apesar de crescerem rodeadas de tecnologia, ainda preferem brincadeiras analógicas e de grupo. O completo oposto do que achávamos vir a encontrar: crianças tornadas absolutamente passivas e desinteressadas, pelo excesso de estímulos a que a tecnologia as vicia; desconectadas de jogos tradicionais como a apanhada ou as escondidas; com pouca consciência do que é uma alimentação equilibrada, dada a oferta cada vez mais diversificada de alimentos pouco saudáveis; entre outros. Sabemos que estes problemas graves existem de facto, e que a nossa amostra de estudo era limitada. Logo, não podemos afirmar que é uma representação fidedigna de todas as crianças. No entanto, subestimámo-las. Por conseguinte, em segundo lugar, de início não nos era possível aplicar a metodologia do Design Thinking na sua totalidade.

Parafraseando Friis Dam e Yu Siang 4, Design Thinkining é um processo de desenho iterativo e não-linear, em que as abordagens e soluções para determinado problema estão constantemente a ser reajustadas com base em como melhor servir o utilizador. A sua finalidade é compreender as pessoas para quem estamos a desenhar produtos ou serviços, procurando desafiar os pressupostos referidos acima. Ao achar que sabemos a priori o que o utilizador quer, precisa, e vai sentir, estamos a impor sobre ele noções pré-concebidas que muitas vezes não correspondem à realidade, como foi o caso. O Design Thinking procura, assim, observá--lo como ele é, e com ele desenvolver empatia. Ter capacidade de distanciamento e de empatizar é o primeiro passo para fazer User-centered Design em vez de Ego-centered Design: trabalhar para os outros em vez de trabalhar para nós. Para tal, os métodos de investigação da fase de User Research são cruciais, para compreendermos verdadeiramente os comportamentos, necessidades e motivações do utilizador através de técnicas de observação 5. No nosso caso em particular, ter havido a possibilidade de deslocar-nos a uma escola para realizar entrevistas individuais enriqueceu exponencialmente as fases de trabalho seguintes. Ao entrevistar as crianças, pudemos identificar com exatidão os seus contextos sociais, culturais, emocionais e estéticos. E, apesar dos constrangimentos existentes por causa das restrições impostas pela pandemia, ao observá-las (ainda que por pouco tempo) num ambiente em que agem com naturalidade, permitiu que chegássemos a um protótipo que, caso continuasse a ser desenvolvido, seria um bom reflexo delas. Ficámos a perceber como estas crianças se movimentam; como brincam; que linguagem vernacular usam; como falam entre si, e com pessoas mais velhas; como interagem umas com as outras; que tipos de referências visuais têm; entre outros.

Para além de nos ajudarem a chegar ao estágio de prototipagem que nos era pedido, estas informações recolhidas seriam determinantes para garantir o sucesso da nossa aplicação nas etapas vindouras. O grupo tinha como grande objetivo que as crianças conseguissem estabelecer uma ligação emocional com as mascotes do jogo. Estas foram pensadas com o intuito de mimetizar a forma de ser daquelas—de falar, de agir, de se movimentar, de se expressar. Ao serem apresentadas como semelhantes a si, idealizámos que essa simetria fizesse com que estivessem mais receptivas não só a jogar mas que, sobretudo, interiorizassem boas práticas de saúde preventiva. Neste sentido, o utilizador pode ser considerado um co-designer. Não numa aceção literal da expressão, em que se torna parte integrante da equipa que desenvolve determinado projeto, como acontece no Parti- cipatory Design. Mas, sim, por ser uma peça fundamental do mesmo, que é estruturado inteiramente à sua volta—moldado à sua imagem, e para suprir as suas necessidades. Com este protótipo, aprendemos a aceitar melhor o processo de design, com a sua não-linearidade e necessidade constante de iterações. É imperativo não apenas pensar no utilizador, mas também envolvê-lo no processo de trabalho. De que serve a funcio- nalidade e a estética se o utilizador não se sente ouvido, visto, e bem representado? A capacidade de empatizar com ele é o que diferencia um bom de um mau design.

1 e 2. Interaction Design Foundation. (sd). What is User Experience (UX) Design? Consultado em 28 de Dezembro de 2021. Disponível em: https://www.interaction-design.org/literature/topics/ ux-design

3. Friis Dam, R., Yu Siang, T. (2020). What is Design Thinking and Why Is It So Popular? Consultado em 28 de Dezembro de 2021. Disponível em: https://www.interactiondesign.org/literature/article/what-is-design-thinking-and-why-is-it-so-popular

4. Friis Dam, R., Yu Siang, T. (2020). What is Design Thinking and Why Is It So Popular? Consultado em 28 de Dezembro de 2021. Disponível em: https://www.interaction-design.org/literature/article/what-is-design-thinking-and-why-is-it-so-popular

5. Usability.gov. (2020). User Research Basics. Consultado em 28 de Dezembro de 2021. Disponível em: https://www.usability.gov/what-and-why/user-research.html